“Tudo isto começou num sonho…”. Foi assim que arrancou a entrevista com Ricardo Mendoza. Tinham passado apenas dois minutos da nossa conversa e o organizador do MomentUm já estava a contar uma história pessoal. Afinal, “toda a gente tem uma história”, acredita Ricardo, e é nelas que está a inspiração para a mudança. A história de Ricardo foi o ponto de partida para o encontro que quer levar mais de duas mil pessoas ao Campo Pequeno no dia 7 de setembro, e quem sabe 15 mil ao Altice Arena em 2021. Mas esse é outro sonho. Comecemos pelo primeiro.
“Cerca de 12 anos atrás, tive um problema de saúde bastante grave. Eu vivia praticamente do corpo, era personal trainer. Tenho uma discopatia da coluna. Fiquei sem caminhar durante uns tempos e sem poder trabalhar. Fui-me um bocado abaixo. Então comecei à procura [de livros sobre] motivação. Apareceu-me o termo ‘coaching’ e tudo me foi dar àquele que é considerado o melhor orador do mundo: Anthony Robbins. Encontrei um evento dele: ‘Unleash the power within’ — ‘Liberta o poder que está dentro de ti’. Achei aquilo muito engraçado. Tinha uma parte que dizia ‘Caminhe descalço num tapete de fogo’. E eu pensei ‘Ninguém caminha descalço num tapete de fogo’. Fui ver quanto é que se pagava pelo evento e fiquei com o pé atrás [1500€, revelou Ricardo mais tarde]. Andei ali umas semanas a ‘cozinhar’, mas aquilo do ‘caminhe descalço num tapete de fogo’… Sou de Matosinhos, somos valentes. Decidi: ‘Vou comprar o bilhete, depois a estadia logo se vê. Vou-me comprometer. Tenho de dar o salto, não posso ficar aqui neste buraco’. E lá fui eu daqui para Londres. Comprei um bilhete ouro. Achava que iam ser para aí 100 ou 200 pessoas. Quando cheguei lá vi 12 mil pessoas. Parecia o culto daquelas seitas religiosas. Tudo aos saltos [imita gritos de entusiasmo]. E pensei: ‘Fui roubado. Enganaram-me’. Tive de lidar com as minhas crenças limitadoras, mas pensei: ‘Este tipo fala para 12 mil pessoas. Eu falo para a minha equipa, que são 30/40 pessoas [Ricardo era diretor de um ginásio]. Alguma coisa ele sabe que eu não sei. Vou dar o benefício da dúvida’. Sentei-me, até que [no final do primeiro dia] ele diz: ‘Tirem os sapatos. Vamos caminhar no fogo’. Comecei-me a rir. Só que depois vi toda a gente a descalçar-se. Engoli em seco. Foi o momento do medo. Pensei: ‘Se estou com medo nisto, também estou com medo noutras áreas da vida’. Fui. Quando cheguei ao tapete de fogo fiquei com muito medo. Eles tiram as achas do fogo e põem-nas num tapete de oito metros. Vê-se o vermelho, vê-se tudo. Na minha última tentativa de fugir — sou de Matosinhos, tenho aquela crença positiva de que encontro sempre solução para tudo — disse à minha buddy [pessoa com quem tinha feito parelha durante o dia]: ‘Nós os portugueses somos muito cavalheiros, comigo as mulheres vão sempre à frente. Não queres ir primeiro?’. Ela ia e eu juro que me pirava dali para fora. Mas naquele momento tomei uma série de decisões. Passei o tapete. Quando cheguei ao fim, não me lembro sequer de ter começado. Só me lembro de sair e de ver tudo em câmara lenta, via as pessoas ao longe. Aquilo é um momento mesmo de transe. Naquele momento percebi que a mente pode ter vários caminhos para chegar a resultados diferentes. Sentei-me no chão com as lágrimas nos olhos, liguei à minha família logo. E comecei a escrever os meus objetivos: um dia vou-me sentar ao lado daquele senhor que está ali, um dia vou organizar um evento como este…”.
MomentUm, o encontro sobre coaching no próximo dia 7 de setembro no Campo Pequeno, ainda não é esse evento, mas Ricardo acredita que é um primeiro passo para lá chegar.
Um evento “crucial” para em 2021 estar no Altice Arena com 15 mil pessoas
Quando questionado sobre o que as pessoas vão encontrar no dia 7 de setembro, Ricardo Mendoza distingue três aspetos: o “pioneirismo” do evento, o seu caráter internacional e o sentido de união.
Logo de seguida explica. Pioneiro, porque, acredita, “vai direcionar todo o mercado”, que tem estado “muito disperso”. Pioneiro também porque tem como objetivo ser um “ponto de viragem no desenvolvimento das pessoas” e “capacitá-las com ferramentas que, durante o prazo de um ano, possam ir aplicando em todas as áreas”. Pioneiro ainda pelos convidados que vai trazer, em particular, José Roberto Marques, presidente do Instituto Brasileiro de Coaching (IBC), que vem pela primeira vez à Europa como orador.
O brasileiro, que se apresenta como a maior referência em coaching atualmente no seu país, é o cabeça de cartaz, juntamente com o próprio Ricardo, mas não o único que chega de fora de Portugal.
O caráter internacional do encontro vive também da presença de figuras que o organizador conhece pessoalmente e que destaca por diferentes motivos. A título de exemplo, Max Piccinini, coach de referência em França, “é muito forte na parte das finanças”, Lidija Rosati, vinda da Polónia, tem um movimento feminino “que inspira muitas mulheres”, e Enhamed Enhamed, o “carismático” medalhado atleta paralímpico espanhol, ainda a confirmar se estará presencialmente ou se enviará um vídeo, uma vez que está a treinar para o campeonato do mundo.
Além dos convidados estrangeiros, que estarão juntos num só painel, para facilitar a tradução simultânea, o evento conta ainda com alguns oradores portugueses, incluindo Jorge Sequeira, candidato à Presidência da República nas últimas eleições, Mário Caetano e Paula Trigo.
Todos os oradores subirão ao palco em regime de “voluntariado”, explica-nos Ricardo Mendoza — todos, exceto José Roberto Marques, por ser o convidado especial.
O que leva estas pessoas que habitualmente recebem centenas e até milhares de euros por palestra a virem a Portugal nestas condições? Segundo Ricardo Mendoza, é a ligação pessoal e de proximidade que tem com cada um deles (e a possibilidade de retribuir nos mesmos moldes no futuro) e o alinhamento de todos com o objetivo de criar um sentido de união. O organizador explica que, olhando para o mercado do coaching, pode dizer-se que “existe muita qualidade”, no entanto muitas vezes “cada qual trabalha por si”. “Então, o propósito do MomentUm é isso mesmo: criar um momento em que o todo seja mais do que a soma das partes”.
O organizador vê ainda este encontro como a rampa de lançamento para alcançar o seu sonho maior: trazer Anthony Robbins a Portugal. “Está marcado para maio de 2021”, avança, embora ainda esteja apenas “apalavrado” com o orador norte-americano, com quem Ricardo tem trabalhado como relações públicas na Europa nos últimos anos.
O próximo dia 7 é “crucial” para passar do sonho à realidade, considera. A expectativa de Ricardo Mendoza é que a equipa de Tony Robbins reconheça neste encontro — e na segunda edição, já planeada para 2020, no Porto — a capacidade dos portugueses para “organizar e liderar” grandes eventos desta natureza. “Com o Tony Robbins vamos encher o Altice Arena. Esse é o objetivo. Trazer aqui 15 mil pessoas”, afirma entusiasmado.
Aliás, entusiasmo não lhe faltou durante a conversa com o SAPO24. Mas, afinal, quando não está a organizar o MomentUm, o que faz Ricardo Mendoza?
“Não me considero um coach. Considero-me um expert em transformação pessoal”
Foi assim que começou por se descrever, quando chegou a hora de Ricardo definir o que faz. E a diferença é…?, perguntámos nós.
“Um coach é alguém que trabalha sobretudo na base das perguntas e da experiência da pessoa que tem à frente. Um expert em transformação deixa de existir e trabalha desde a alma”, explicou.
“Coaching é definir o ponto onde queremos ir (ponto B), ter consciência do ponto onde estamos (ponto A), e depois trabalhar as estratégias” para chegar de um ponto ao outro, esclareceu.
Mas “há sessões em que a pessoa vem num estado de debilidade emocional ou com níveis de confiança e de autoestima tão baixos que tem de haver um mentoring, contar metáforas, fazer um processo de transe para que a pessoa se abra um pouco. Fazer uma linha do tempo e ir buscar os momentos-chave no passado para que se possa fortalecer o presente. E aí, sim, começar a delinear objetivos, definir metas”, acrescentou.
Confrontámos Ricardo Mendoza com o facto de o coaching ser por vezes alvo de chacota, havendo algum discurso de descrédito e desconfiança. Ricardo acredita que são sobretudo as camadas mais jovens que têm essa postura, devido às piadas feitas por youtuberse outros influenciadores e porque “provavelmente estas pessoas ainda não tiveram oportunidade” de experimentar o coaching.
Por outro lado, na experiência do responsável, o mercado em Portugal é mais cético do que noutros países: “Todos os anos vou aos cinco continentes. Chego lá e o coaching é uma entidade, é algo que se respeita. Só por falar em coaching as pessoas prestam atenção”. Isso pode dever-se a “uma ou outra experiência no passado” que veio contaminar “aquilo que é o coaching, que é o desenvolvimento humano” em Portugal, refere, preferindo não especificar acontecimentos.
Por fim, o “medo” também vem do “mercado da Psicologia”, considera. Quando “um psicólogo que estuda para ter o seu diploma” durante vários anos vê alguém com “um curso de seis, sete dias” começar a exercer e passado um dia se calhar ter tantos resultados ou mais, isso pode ser sentido como ameaça. Ainda assim, Ricardo sublinha que coaching e Psicologia “são duas coisas diferentes”, mas podem ambas trabalhar para “criar soluções para as pessoas”.
O próprio Ricardo, que diz já ter dado mais de dez mil sessões em 27 países, tem duas pessoas a quem recorre na sua vida: um coach irlandês de 70 anos para a área dos relacionamentos e uma coach australiana para o campo das finanças.
Embora o trabalho de coaching possa ser feito em diversas áreas, da saúde ao trabalho, do corpo às finanças, no topo dos topos está, para Ricardo, a área das relações, que é “igual a vida”, atira.
O relacionamento connosco próprios e o relacionamento com a pessoa que mais amamos “são os dois que mais mexem no puzzle da vida. São os que trazem mais prazer, mas também os que trazem mais dor. Logo, são aqueles que deveríamos trabalhar mais”, defende. De resto, este é o tema de que Ricardo vai falar no Campo Pequeno.
Os relacionamentos são de tal forma “o cerne da questão” que, mesmo quando está a acompanhar CEOs na definição de estratégias e no trabalho de liderança em contexto empresarial, Ricardo conta que, “passado uns tempos”, a conversa acaba por ir parar às relações.
O facto de ter apenas CEOs como clientes individuais hoje em dia vem de uma escolha estratégica. “O que eu fiz foi elevar o preço de mercado e tenho sempre dois ou três clientes. Nunca mais. Porquê? Porque respondo em 24 horas e faço acompanhamento regular. Total foco para máximo resultado”, explica.
Então, o coaching é só para quem tem dinheiro?, questionámos. “Não é só para quem tem dinheiro, mas é um serviço”, responde Ricardo, diretor de uma empresa que organiza cursos de coaching e dinamiza sessões de desenvolvimento pessoal e profissional em contexto empresarial.
O responsável acrescenta, no entanto, que a sua missão inclui fazer trabalho de caráter social, pelo que, por exemplo, estabelece parcerias com escolas onde vai falar voluntariamente, e tem o sonho de criar uma fundação para ajudar “miúdos que estão com dificuldades” a descobrirem “o melhor deles”, através de uma abordagem “diferente” e com recurso a ferramentas do coaching.
Também no encontro de dia 7 estará presente esta vertente social. Uma percentagem da receita do evento (5%) reverterá para a compra de árvores que serão plantadas na serra de Monchique, a fim de contribuir para reflorestação depois dos incêndios de 2018.
Fonte da Notícia: Sapo